" IGREJA UNIVERSAL - UMA ANÁLISE COMPARATIVA DE SUA PRÁTICA E FÉ " Parte 1

04/09/2011 13:57

 

 

RELATÓRIO DA COMISSÃO PERMANENTE DE DOUTRINA DA IPB SOBRE A IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS – Parte 1




Obs: Este relatório foi elaborado pela Igreja Presbiteriana do Brasil visando o esclarecimento de seus membros referente à fé e prática da IURD. Sendo de cunho totalmente restrito ao modus vivendi da IPB, em muitos pontos não reflete necessariamente a opinião deste ministério.  Todavia, é um estudo muito útil no que tange a mostrar o perfil da IURD. 



Preâmbulo

Atendendo a determinação do CE-SCIPB, a Comissão Permanente de Doutrina da IPB elaborou o presente documento, com vistas ao esclarecimento de algumas questões afetas ao relacionamento da IPB com a Igreja Universal do Reino de Deus.

O presente documento foi escrito com vistas a ser examinado pela Comissão Executiva, em sua reunião de Março de 1997. Em caso de uma divulgação posterior e mais ampla do mesmo, a Comissão Permanente de Doutrina recomenda uma edição da sua linguagem, considerando haver nele termos teológicos que são possivelmente desconhecidos dos membros das nossas igrejas.

Queira Deus usar o trabalho da Comissão Permanente de Doutrina para instruir e fortalecer Seu povo na verdadeira fé evangélica.

São Paulo, Março de 1997

A Comissão Permanente de Doutrina da Igreja Presbiteriana do Brasil


Participaram da elaboração deste documento

Titulares

Rev. Héber Carlos de Campos, Th.D.

Rev. Antônio Carlos Barro, Ph.D.

Rev. Augustus Nicodemus Lopes, Ph.D.

Suplentes

Pb. Francisco Solano Portela Neto, Th.M.

Rev. Mauro Fernando Meister, Ph.D

Rev. Paulo José Benício, Th.M.

INTRODUÇÃO

Um dos fenômenos ocorridos na América Latina, e que tem chamado a atenção dos estudiosos no mundo todo, é o surgimento nas últimas duas décadas de novas igrejas pentecostais enfatizando a teologia da prosperidade e os ministérios de "libertação". Denominações inteiras têm surgido, e o crescimento do movimento, por vezes chamado de "neopentecostal", não mostra sinais de esmorecimento. Entre as que têm chamado a atenção mundial destaca-se a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), surgida em 1977 sob a liderança de Edir Macedo, que por sua vez, havia pertencido a outra denominação neopentecostal, Nova Vida, no Rio de Janeiro.

O crescimento rápido da IURD colocou em evidência suas práticas ministeriais e litúrgicas controvertidas, bem como seus ensinos polêmicos, levantando questões de cunho teológico e prático entre as denominações evangélicas históricas, organizações religiosas, e mesmo a imprensa secular.

O número de brasileiros que professa pertencer à IURD é de mais de três milhões. Não poucos destes, após abandonarem a IURD por motivos vários, têm procurado ingressar nas igrejas históricas, entre elas, igrejas presbiterianas. Esse fato tem criado problemas de ordem doutrinária e prática para os conselhos dessas igrejas.

A teologia e a praxis iurdiana, divulgadas profusamente através da mídia, têm trazido confusão a membros de igrejas presbiterianas, requerendo esclarecimentos por parte de sua liderança. É necessário que concílios da Igreja Presbiteriana sejam orientados quanto ao correto proceder no que se refere ao relacionamento com a IURD. 


Método de Trabalho

A pergunta central, da qual dependem as respostas para os problemas acima, e outros ainda, é: podemos considerar a IURD como parte da Igreja de Cristo neste mundo? Para responder a esta pergunta faz-se necessária a adoção de critérios claros que, segundo o nosso entendimento, estão expressos nas Escrituras como interpretados na Confissão de Fé de Westminster (CFW), em seu capítulo sobre a Igreja (capítulo 25). Assim, nossa abordagem será teológico-comparativa e não sociológica. Já existem estudos que procuram entender e avaliar a IURD do ponto de vista sociológico. Em nosso estudo comparativo analisaremos a IURD tanto em termos da sua credenda quanto da sua agenda. Ou seja, procuraremos responder à pergunta inicial abordando o que a IURD crê, e o que ela faz. 

Fontes utilizadas neste estudo 

Uma das maiores dificuldades em um estudo comparativo de teologia é exatamente achar as fontes primárias adequadas. A IURD não tem uma confissão de fé explícita e escrita. Obviamente, ela tem uma confissão de fé implícita, que é refletida nos escritos de seus líderes, nos artigos da Folha Universal (publicação oficial da denominação), nas palavras dos bispos e pastores nos programas de televisão e rádio assim como em reportagens e entrevistas a periódicos seculares. São estas fontes que usamos para reconstruir a credenda e a agenda da IURD. Mesmo assim, confessamos que, por vezes, é difícil afirmar com exatidão o que a IURD crê sobre um determinado aspecto ou prática, visto existirem informações conflitantes ou destoantes nessas fontes.

Uma outra dificuldade para se conhecer a credenda iurdiana é a aversão que Edir Macedo (fundador e lider maior da IURD) tem pelo que entende ser "teologia". Em seu livro A Libertação da Teologia, ele procura desmoralizar todas as tentativas feitas pela Igreja Cristã, ao longo da sua existência, de compreender logicamente e sistematizar o ensino cristão como encontrado nas Escrituras. Afirma Macedo:

Todas as formas e todos os ramos da teologia são fúteis. Não passam de emaranhados de idéias que nada dizem ao inculto; confundem os simples, e iludem os sábios. Nada acrescentam à fé.

Mais especificamente, Macedo investe contra a sistematização teológica feita pelos protestantes históricos:

Criou-se uma TEOLOGIA PROTESTANTE, defendida ardorosamente pelos egoístas que usam o apelido farisaico de "conservadores" e quem, em algum ponto doutrinário desta "TEOLOGIA", subtrai, acrescenta ou destoa, e recebe, com a mesma veemência do clero católico romano, o selo de herege, anticristo, ou falso profeta.

Num ambiente onde a formulação teológica é desprezada, é evidente que não há qualquer estímulo para que se sistematize e organize de forma lógica ou coerente aquilo que se crê. A ojeriza de Macedo, bem como a dos demais líderes da IURD, pela formulação teológica sistemática, tem deixado as portas abertas para a confusão, a incerteza, e a contradição que marcam suas fontes. Um exemplo da confusão teológica de Macedo é a dicotomia entre a Lei e o Evangelho, em que ele parece afirmar que a Escritura ensina dois caminhos de salvação, um pela Lei e outro pelo Evangelho. Outro exemplo: enquanto parece crer na condenação eterna dos ímpios, afirma no mesmo fôlego que "... todos os homens são de um mesmo sangue, e se destinam todos à eternidade em um Reino celeste".

Macedo, obviamente, vê a IURD como parte de um pequeno setor da Igreja onde a "libertação" da teologia está ocorrendo. Seu livro A Libertação da Teologia, entretanto, demonstra que essa libertação ainda não ocorreu de fato: Macedo tem claramente seus próprios pressupostos, a sua própria teologia e seu sistema de pensamento. Este livro, eivado de erros históricos, exegéticos e teológicos, longe de demonstrar que a teologia é realmente perniciosa e desnecessária, demonstra como a falta do verdadeiro conhecimento dela produz homens arrogantes que pretendem possuir a "verdade" que permanecera oculta através dos séculos — um sinal característico de seita.

Considerando as fontes disponíveis usaremos os seguintes passos na confecção do documento: descrição dos pontos comuns da IURD com a fé cristã, seus desvios e a sua conseqüente descaracterização. 

A IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS COMO IGREJA CRISTà

A IURD tem desenvolvido grande esforço para ganhar reconhecimento, junto aos evangélicos e ao público em geral, de que é uma igreja evangélica. Em nota publicada em jornal secular de grande divulgação, por ocasião da controvérsia com a Associação Evangélica Brasileira (AEVB), ela insistiu ser uma igreja genuinamente evangélica. Diz a publicação da IURD:

Como saber se uma entidade é evangélica ou não? Pelos ensinamentos comuns a todas as igrejas evangélicas, tais quais:

As Igrejas Evangélicas crêem num Deus Trino. A Igreja Universal do Reino de Deus também. 

As Igrejas Evangélicas crêem no céu, no inferno e no julgamento final. A Igreja Universal do Reino de Deus também. 

As Igrejas Evangélicas crêem na Bíblia como única e inerrante palavra de Deus. A Igreja Universal do Reino de Deus também. 

As Igrejas Evangélicas arrecadam contribuições financeiras somente através dos dízimos e ofertas. A Igreja Universal do Reino de Deus também. 

Estas são doutrinas comuns às Igrejas Evangélicas; portanto, podemos concluir com toda certeza que a Igreja Universal do Reino de Deus é uma igreja genuinamente evangélica, não sendo antibíblica em sua orientação doutrinária.

A Comissão Permanente de Doutrina reconhece que, de fato, há nas fontes da IURD o uso de terminologia tipicamente cristã. Percebe também a presença de alguns elementos doutrinários do cristianismo histórico. Essas coisas, contudo, não a legitimam necessariamente como igreja genuinamente cristã, visto que seitas não evangélicas costumam usar de terminologia cristã em seus ensinos, e afirmar doutrinas em comum com os evangélicos.

Pontos em comum com a fé cristã 

Considerando-se o ensino básico da fé cristã, a IURD crê, em linhas gerais, como as tradições protestante e católica, nesses pontos: na Trindade, na divindade e humanidade do Senhor Jesus Cristo, no pecado e na necessidade da salvação, na ressurreição dos mortos, na vida eterna, na segunda vinda de Cristo, e no juízo final. Esses pontos são afirmados nas fontes consultadas. 


Pontos em comum com o protestantismo histórico 

Em comum com os protestantes históricos, a IURD professa crer na salvação unicamente através de Cristo, nas Escrituras Sagradas como a única fonte de autoridade, que Jesus Cristo é o único fundamento e cabeça da Igreja, na rebelião e queda de Adão e Eva como causa fundamental da miséria humana, na necessidade de santidade por parte dos cristãos, na comunhão pessoal com Deus através da oração.

A linguagem usada pelos protestantes históricos para referir-se a estes pontos está presente no ensino da IURD, embora nem sempre com o mesmo conteúdo. Isto é verdade especialmente no seu entendimento do conceito de salvação. No conceito iurdiano, salvação praticamente se identifica com libertação de males particulares, enquanto que conceitos bíblico-reformados como justificação, propiciação, expiação, e reconciliação com Deus estão, via de regra, ausentes, tanto na pregação quanto na praxis religiosa deles.

Transparece do livro de J. Cabral, Religiões, Seitas e Heresias, publicação oficial da IURD, que a IURD se considera como igreja evangélica. Nessa obra, Cabral ataca praticamente todas as religiões, organizações, movimentos, e seitas normalmente rejeitadas pelos protestantes como sendo falsos: astrologia, hinduísmo, budismo, confucionismo, catolicismo romano, xintoísmo, taoísmo, islamismo, rosacrucianismo, maçonaria, espiritismo, vodu, bahaísmo, mormonismo, adventismo do sétimo dia, testemunhas de Jeová, russelismo, ciência cristã, teosofia, Perfect Liberty, Igreja Messiânica Mundial, Seicho-no-Ie, Hare Krishna, Meninos de Deus, a Igreja da Unificação e "seitas do Espírito Santo". Distanciando-se destas manifestações religiosas, a IURD procura alinhar-se com os evangélicos.

Embora o livro de J. Cabral seja bastante abrangente quanto às religiões falsas, a IURD tem demonstrado que sua luta no Brasil é realmente contra a Igreja Católica e o espiritismo. E na denúncia da idolatria, tomados de zelo sem entendimento, alguns obreiros da IURD revelam falta de sabedoria em seus ataques, como no famoso episódio do "chute na santa". Também é verdade que, ao fim, terminam por adotar a nomenclatura e algumas das práticas espíritas. Entretanto, a condenação da idolatria e do espiritismo, comum às igrejas protestantes históricas no passado, tem sido retomada em alguma medida pela IURD.

Ainda em comum com as igrejas protestantes históricas, a IURD é crítica com relação a algumas práticas pentecostais, como por exemplo, o conceito pentecostal de profecia, as reações físicas no contexto do batismo com o Espírito Santo (como quedas, tremores, etc.); a IURD critica ainda o movimento católico carismático, e o falar línguas estranhas como praticado em alguns segmentos pentecostais.

É preciso observar que Macedo critica duramente os Reformadores e os que criaram uma "teologia protestante"; possivelmente, Macedo não consideraria a IURD como uma igreja protestante. 

Pontos em comum com os pentecostais 

Macedo parece considerar a IURD como sendo, além de evangélica, uma igreja pentecostal, ao inclui-la entre os 70% dos evangélicos que assim se denominam. A IURD tem crenças e práticas que a aproximam das igrejas pentecostais. Afinal, Edir Macedo foi membro de igreja pentecostal antes de iniciar a IURD em 1977. Macedo trouxe daí a crença no batismo com o Espírito Santo como uma segunda bênção, a prática das línguas, a cura divina, e particularmente a cosmologia pentecostal, que percebe o mal no mundo como resultado da atuação direta dos demônios.

Ainda em comum com alguns segmentos pentecostais, Macedo nutre profundo desprezo pela teologia. Ele acusa os Pais da Igreja, os Reformadores, e os teólogos em geral, de terem desviado a Igreja do rumo certo, causando divisões e separação entre cristãos:

Quem desviou o cristianismo dos seus princípios nos primeiros séculos? Acaso não foram os teólogos? Foram eles também quem causaram a reforma protestante e que criaram as grandes divisões do "cristianismo restaurado" que deram origem às denominações evangélicas que hoje existem. 

Pontos em comum com igrejas de libertação (neopentecostais) 

Em vários aspectos a IURD deve ser considerada como uma igreja neopentecostal, cuja prática se aproxima de igrejas como Deus é Amor. Essas igrejas, além das crenças e práticas pentecostais, giram particularmente em torno da teologia da prosperidade, dos ministérios de libertar pessoas oprimidas por demônios e da utilização de objetos "ungidos" nos cultos

A estrutura eclesiástica da IURD é também semelhante a das igrejas de libertação. Estas, geralmente organizam-se em torno da figura do fundador. Macedo é o chefe máximo da IURD, embora figure como apenas mais um "bispo" na sua estrutura. Abaixo de Macedo vem um "conselho episcopal mundial" (22 bispos), ao qual estão submissos os "lideres estaduais" (22 bispos ou pastores), que por sua vez comandam os "pastores" (cerca de 7.000 em Janeiro de 1996). A centralização do poder eclesiástico na figura do fundador é característico das seitas neopentecostais surgidas nas últimas décadas, nas quais a IURD se encaixa.

Por causa de elementos na pregação e na prática da IURD, que são comuns aos protestantes em geral, e mesmo a outras igrejas pentecostais, cremos que os eleitos presentes nas igrejas da IURD têm sido chamados à fé, através da atuação do Espírito pela pregação do Evangelho; dessa forma, há nas igrejas da IURD os que professam abertamente que crêem em Jesus Cristo como único Salvador, e mediador entre Deus e os homens, e abraçam sinceramente a verdadeira religião.

Levando em conta isoladamente ensinos e práticas genericamente presentes na IURD, pode-se considerá-la como sendo uma igreja cristã, protestante, pentecostal, caracteristicamente neopentecostal. Isso, entretanto, não lhe assegura necessariamente o status de parte da igreja visível de Cristo, já que estão igualmente presentes na sua doutrina e na sua prática elementos estranhos ao ensino bíblico do Cristianismo histórico.

Nos pontos seguintes, a Comissão Permanente de Doutrina expõe o que considera questionável na credenda (sua expressão de fé) e agenda (a expressão prática da fé) da IURD, à luz do ensino bíblico, conforme entendido pela CFW.


O ENSINO DA CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER 

Considerando que somos uma igreja confessional, é necessário que examinemos o assunto a partir dos símbolos de fé da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), que cremos serem a melhor interpretação das Escrituras.

Diz a CFW no capítulo sobre a Igreja (25:1-5):

A Igreja Católica ou Universal, que é invisível, consta do número total dos eleitos que já foram, dos que agora são, e dos que ainda serão, reunidos em um só corpo sob Cristo, seu Cabeça; ela é a esposa, o corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todas as coisas. 

A Igreja Visível, que também é católica ou universal sob o Evangelho (não sendo restrita a uma nação como antes sob a Lei) consta de todos aqueles que, pelo mundo inteiro, professam a verdadeira religião, juntamente com seus filhos; é o Reino do Senhor Jesus, a casa e família de Deus, fora da qual não há possibilidade ordinária de salvação. 

A esta Igreja Católica Visível Cristo deu o ministério, os oráculos e as ordenanças de Deus, para congregamento e aperfeiçoamento dos santos nesta vida, até o fim do mundo, e pela sua própria presença e pelo seu Espírito, os torna eficazes para este fim, segundo a sua promessa. 

Esta Igreja Católica tem sido ora mais, ora menos, visível. As igrejas particulares, que são membros dela, são mais ou menos puras conforme neles é, com mais ou menos pureza, ensinado e abraçado o Evangelho, administradas as ordenanças e celebrado o culto público. 

As igrejas mais puras debaixo do céu estão sujeitas à mistura e ao erro; algumas têm degenerado ao ponto de não serem mais igrejas de Cristo, mas sinagogas de Satanás; não obstante, haverá sempre sobre a terra uma igreja para adorar a Deus segundo a vontade dele mesmo. 

Evidentemente, esse capítulo da CFW foi formulado num contexto histórico e teológico, separado temporalmente da nossa época por mais de 350 anos. Um exame mais acurado das questões teológicas que confrontaram os escritores da CFW no século XVII, revelará que são as mesmas com as quais a Igreja Cristã histórica hoje se defronta, face ao crescimento do movimento neopentecostal, e da difusão de suas crenças e práticas. A controvérsia então era soteriológica, cúltica, e eclesiológica (quanto ao governo da Igreja e seus sacramentos). Estes são problemas similares aos que devemos abordar hoje. Houve apenas uma mudança no nome dos seus proponentes.


ANÁLISE DA TEOLOGIA E PRAXIS DA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS 

RAZÕES PELAS QUAIS A IURD DEVE SER CONSIDERADA COMO IGREJA "MENOS PURA" 

Em que pesem as crenças que confessam em igualdade com as igrejas protestantes evangélicas, a IURD mantém crenças e práticas que, no geral, são estranhas a essas igrejas, e que a qualificam como uma das "igrejas menos puras", conforme as Escrituras como interpretadas pela CFW (25.4). Há muitas igrejas que podem ser qualificadas como "menos puras", inclusive muitas congregações locais de igrejas históricas (entre as quais a Presbiteriana), que têm seguido os mesmos princípios da IURD e de outros grupos neopentecostais.

A nosso ver, o grande problema das igrejas que qualificamos como "menos puras" têm a raiz desses problemas na sua hermenêutica. Todas têm as Escrituras como regra de fé e prática, mas o problema não está no texto, e sim na abordagem a ele. É este exatamente o problema da IURD. 


A hermenêutica da IURD 

A causa da maioria destas crenças e práticas impuras vem de uma hermenêutica deficiente praticada pela liderança da IURD. Citamos aqui o documento anterior da Comissão Permanente de Doutrina sobre interpretação das Escrituras Sagradas:

... é preocupante a forma como alguns vêm interpretando o texto sagrado, partindo de pressupostos da sua própria experiência impondo ao texto sentidos que claramente não fazem parte da intenção original do autor inspirado. Constitui-se prática perigosa atribuir ao Espírito Santo ensino que é produto de interpretação particular de um texto da Escritura, baseado em experiência pessoal, interpretação esta que nada tem a ver com o sentido do texto bíblico. A Igreja entende que na raiz de todas as atuais práticas prejudiciais em seu meio está um sistema de interpretação equivocado.

Interpretações individuais e isoladas que fogem do sentido óbvio e original do texto e que apelam para a autoridade da experiência individual para validar o entendimento das Escrituras devem, na verdade, ser rejeitadas. As Escrituras devem ser interpretadas por si mesmas, ou seja, uma passagem bíblica deve ser interpretada à luz de todas as partes, sem se desprezar a iluminação que o Espírito Santo vem concedendo à Igreja através dos séculos, que faz parte da tradição interpretativa acumulada até o presente. As Escrituras foram endereçadas à Igreja, e o Espírito que as inspirou foi dado ao Corpo de Cristo para que o iluminasse no entendimento delas. Assim, a Bíblia não é propriedade de um membro individual, mas da Igreja; portanto, a sua interpretação deve ser feita em consonância com a sabedoria da Igreja acumulada através dos séculos. Nenhum membro tem o direito de ter a sua própria interpretação particular das Escrituras — não foi este o direito que Lutero e os demais Reformadores recuperaram na Reforma.

Os que atribuem a sua compreensão individual das Escrituras ao Espírito, deveriam igualmente reconhecer e receber a compreensão que o mesmo Espírito concede aos demais membros da Igreja no decorrer da história. Esta é uma verdade incontestável: se as profecias das Escrituras não foram fruto da interpretação individual dos profetas, muito menos hoje pode-se aceitar interpretações particulares daquilo que já nos foi revelado nas mesmas Escrituras.

O método de interpretação das Escrituras utilizado por bispos e pastores da IURD consiste em geral numa atualização ou transposição das experiências religiosas de personagens bíblicas para os dias atuais. Isto ocorre em virtude do que entendem ser a Bíblia. Macedo não parece ver a Bíblia como a revelação proposicional de Deus, mas como um livro de experiências religiosas, que começa com Israel no Velho Testamento, e termina com a humanidade em Apocalipse, experiências estas que podem ser repetidas nos mesmos moldes, nos dias atuais.

Assim, a repetição ou re-encenação de episódios e eventos bíblicos é utilizada como ferramenta hermenêutica, que lhes permite usar as Escrituras como base da sua prática. Nesta tentativa de repetir os episódios bíblicos, existe uma grande dose de alegorização dos textos bíblicos, e total desrespeito pelo contexto histórico dos mesmos, bem como a falta de distinção entre o que é descritivo na Bíblia, e o que é normativo para as experiências dos cristãos.

Por exemplo, assim como Noé fez uma aliança com Deus, podemos nós também faze-la. Assim como Josué cercou as muralhas de Jericó e ao som das trombetas elas caíram, assim podemos "cercar" as muralhas das dificuldades e problemas e derrubá-las em nome de Jesus (usando uma trombeta de plástico e uma muralha de isopor). A vara que Moisés usou, o cajado de Jacó, os aventais de Paulo — todas estas coisas, e muitas outras tiradas das histórias bíblicas, se tornam tipos da utilização de apetrechos semelhantes, aos quais é atribuído (apesar de negações em contrário) algum valor espiritual na resolução dos problemas.

Concordamos com a avaliação de Leonildo S. Campos:

A ênfase nos símbolos, metáforas e alegorias levou a IURD a se distanciar do fundamentalismo e de sua leitura literal da Bíblia. Esse livro, central para protestantes e pentecostais tradicionais, ocupa um lugar secundário em toda dramatização iurdiana, justamente porque para a Igreja Universal a Bíblia é muito mais um depósito de símbolos, alegorias e cenas dramáticas ou até um amuleto para exorcizar demônios e curar enfermos do que a "palavra de Deus", encarada por outros grupos protestantes como "regra única de fé e prática" e para os fundamentalistas "regra infalível".

De acordo com a CFW, a pureza, ou não, de igrejas se mede pela pureza com a qual o Evangelho é pregado (o que inclui as doutrinas centrais do Cristianismo) e os sacramentos celebrados (o que aponta para a teologia prática das igrejas). Nos parágrafos abaixo, procuramos apontar os ensinos da IURD que ferem, ao nosso entender, a pura pregação da Palavra e a pura celebração dos sacramentos. 


A doutrina da salvação 

A IURD, à semelhança dos arminianos (evangélicos) e semi-pelagianos (entre os católicos), crê na doutrina da graça preveniente, ou seja, que existe uma capacidade latente nas pessoas, sem exceção, de crer na mensagem do Evangelho. Diz Macedo:

Em todos os seres humanos, quer religiosos ou não, existe no mais profundo de suas almas uma pequena chama de fé, a qual focalizada no Deus Vivo, certamente fará fluir uma vida sadia sob todos os aspectos. Essa pequena chama de fé é colocada pelo próprio Espírito Santo.

Nessa pressuposição básica, a IURD vai frontalmente de encontro ao ensino bíblico, expresso na CFW, da depravação total da natureza humana, e da sua incapacidade de crer, em seu estado natural, sem a atuação especial do Espírito Santo, que é sua obra regeneradora (cf. Gn 3.6-8; Rm 3.23; 5.12; 1 Co 15.21-22; Gl 5.17). Essa pressuposição leva Macedo a afirmar a capacidade humana de determinar a sua própria salvação, como transparece da citação abaixo: "Quem define a vida ou a morte eterna não é Deus, mas nós, quando fazemos a nossa própria opção!"

O conceito de salvação, entendido pela fé reformada, refere-se primariamente à salvação da culpa, poder e presença do pecado nas vidas dos eleitos, mediante a obra redentora de Cristo. Inclui a santificação e a ressurreição final. Aparentemente, na teologia iurdiana, o termo salvação é usado como sinônimo de libertação das drogas, dos problemas, das doenças e da opressão causada pelos demônios.

Macedo ensina que há dez passos a serem dados que levarão os sinceros ao caminho da salvação:

Aceitar de fato o Senhor Jesus como único Salvador; 

Participar das reuniões de libertação da IURD; 

Buscar o batismo com o Espírito Santo; 

Andar em santidade; 

Ler a Bíblia diariamente; 

Evitar as más companhias; 

Ser batizado; 

Freqüentar reuniões de membros da IURD; 

Ser fiel nos dízimos e nas ofertas; 

Orar sem cessar e vigiar. 

Não é claro se Macedo está ensinando que o perdão dos pecados e a reconciliação com Deus ocorrerão apenas após estes passos, ou durante os mesmos. Também não é claro se a aceitação de Cristo (passo 1) traz a salvação e perdão, enquanto que os demais passos estão relacionados com o crescimento cristão. Embora a aceitação de Cristo figure como o passo 1, Macedo orienta o leitor a não considerar a ordem dos passos.

Quase todos esses passos são definidos em relação à atuação dos demônios: o fiel deve freqüentar as reuniões de libertação para se ver livre do diabo; deve procurar o batismo com o Espírito Santo para escapar da habitação dos espíritos malignos. Andar em santidade significa ser libertado de Satanás e seus demônios e não ter qualquer ligação com eles. Deve ler a Bíblia para usá-la como arma eficaz no combate à Satanás. A freqüência às reuniões da IURD alimentará as almas dos fiéis com a palavra da verdade, a qual os arma contra as ciladas de Satanás.

É evidente do "plano de salvação" apresentado por Macedo sua convicção de que o ser humano pode colaborar para a sua salvação. A bem da verdade, diga-se que Macedo nega a possibilidade da salvação pelo cumprimento da Lei, e considera como legalistas aquelas igrejas que insistem na guarda da Lei para salvação (como os Sabatistas). Entretanto, Macedo tem substituído as obras da Lei por obras evangélicas — em última análise, a salvação do ser humano depende da observância destes preceitos:

Nossa experiência nos leva a crer que um dos pontos fundamentais para a libertação e salvação está no fato da pessoa se desligar totalmente das companhias que não professam a mesma fé ... este item é de suma importância para a salvação de alguém.

Afirma Macedo a necessidade categórica de se freqüentar as reuniões da IURD para "uma libertação completa". Segundo ele, o próprio Deus ficará sem poder atender as orações, caso o fiel não especifique o que deseja.

Não somente a salvação vem através do esforço humano, mas a própria manutenção desta salvação:

Procure amizade com pessoas que tenham a mesma fé e evite a todo custo conversas, discussões ou contatos que possam colocar em jogo a sua salvação.

Se a salvação e a manutenção da mesma dependem do esforço humano, não é de admirar-se que no ensino da IURD encontremos indicações de que aceitam a possibilidade da perda da salvação por parte de um crente verdadeiro. Em seu livro Apocalipse Hoje Macedo parece sugerir esta possibilidade:

É muito comum ao ser humano abraçar a fé em Jesus, de todo coração, de todas as suas forças, recebendo em resposta do Senhor a plenitude do Espírito Santo, e por desleixo, ir cedendo aos apelos da carne, do orgulho pessoal e da simpatia para com este mundo ... sua vida acabará por encontrar o deserto espiritual... É ai onde estão os perigos espirituais, vindo a advertência de Hebreus 6.4-6...

Ao citar Hebreus 6.4-6 em conexão com a decadência espiritual de alguém que teve uma verdadeira experiência com Cristo, Macedo parece sugerir que o verdadeiro cristão pode vir a decair definitivamente do estado de graça inicial. A mesma idéia está presente em sua mensagem "Encontro com Jesus", onde ele afirma:

Mas aqueles que conheceram Jesus, tiveram um encontro [com ele], experimentaram um dom espiritual, o dom glorioso de Deus, tiveram a presença d’Ele ou um encontro verdadeiro com Deus, e hoje estão vivendo como vivem os gentios. Para esses é muito pior. A Bíblia diz que é impossível outra vez renová-los, porque estão crucificando Jesus para si mesmos; aliás, em Hebreus 6.4-6 diz assim...

Nota-se também, no "plano de salvação" da IURD, a ausência de pontos cruciais como regeneração, justificação, perdão dos pecados, adoção, reconciliação com Deus e perseverança dos santos. Salvação é vista primariamente em termos horizontais, no que concerne a vida do homem na terra, enquanto que os aspectos verticais são, via de regra, ignorados.